#Estética do terror #Estudo

Mais considerações sobre a estética do terror #RevoDocs

Lucas Binotto
Publicado em
01 de junho de 2020

Olá! Esse é o artigo complementar sobre o vídeo-ensaio A estética do terror. Você pode ler esse post sem ver o vídeo, assim como ver o vídeo sem ler o texto, mas eles acrescentam muito mais informações quando combinados! Se você tiver algum ponto a acrescentar, você pode deixar na seção de comentários do vídeo ou até mesmo falar comigo pelo Discord da Revo.

Uma conversa sobre o Terror

Pra deixar esse assunto mais desenvolvido chamei o Danton, o Leo e o Victor e para conversarmos mais sobre esse tema:

Lucas Binotto:
Roteirista na Escola Revolution

Artstation | Instagram | Youtube

Danton Kosop:
Ilustrador

Artstation | Instagram

Leo Bourscheid:
Designer na Escola Revolution

Artstation | Instagram

Victor Spadotto:
Diretor de fotografia e Filmmaker

Site | Instagram

A construção do terror como gênero

A construção do terror como gênero, vem pela fundamentação da ideia do cinema como um todo, buscando ser um mercado.

Como temos esses filmes sendo lançados em um período de conflitos e de trauma do pós guerra, o cinema mais fantasioso passa a ser uma ferramenta para que quem sofreu com esses traumas possam enfrentá-los: os filmes são quase uma ferramenta de catarse para os traumas.

E onde surge o monstro?

Os monstros só podem se apresentar e afetar nosso consciente criando o medo caso existam também em ameaça. Por isso, a busca por um senso de realidade nos monstros é uma chave muito importante para o desenvolvimento desse sentimento. 

Entretanto, essa também é uma faca de dois gumes: da mesma forma que uma aproximação aos aspectos culturais, biológicos e sociais podem ajudar a criar uma bela obra de terror, esses aspectos podem ser o maior fator limitante para a construção da narrativa.

Como assim? Ser real pode deixar minha história ou meu monstro RUIM?

É... sim. Porque quando se torna tudo real as percepções do que é possível e até mesmo capaz de se tornar concreto vão se limitar às leis físicas e biológicas do nosso mundo. Isso quer dizer que o espectador vai estabelecer, automaticamente, regras de verossimilhança, que não permitem a manifestação estrutural de criaturas míticas e fantásticas coexistindo no mesmo espaço que a gente.

Mas uma boa dose de realidade pode fazer bem. Quando aquilo que é real é utilizado de forma correta para a construção de uma criatura que mexe com nossos sensos de realidade, tudo começa a funcionar muito bem. H.P.Lovecraft, por exemplo, pra criar os seus monstros, explorava com atenção os limiares da mente humana para a fundamentar toda a sua obra de terror.

Mas como assim, fundamentação?

Como diria Jack o Estripador:

vamos

por

partes

Incerteza que gera tensão

O medo que se esconde a noite ou o não saber lidar com um problema criam a incerteza, esse estado de constante atenção e ansiedade o qual por mais rápido que se apresente não passa tão facilmente, uma das obras literárias que recomendo para a percepção dessa espécie de terror é na obra Sandman de Neil Gaiman, o qual ao “abençoar” quem tinha o prendido com o eterno despertar, deixa o personagem em um constante pesadelo, onde a realidade e o medo se deformam para uma coexistência tênue nos limites do que é real.

Porque quando uma situação não é compreendida, buscamos respostas para preencher a nossa falta de conhecimento ou compreensão desse problema, seja com ameaças espaciais, monstros abissais ou entidades sobrenaturais.

O desconhecido: 

E quando o medo que surge é algo além da nossa normalidade? Algo que foge da nossa compreensão por mais preparados que estejamos para lidar com os problemas que surgem com ele.

Como expressar e construir isso?

Lovecraft em “The unnamable” descreve a ameaça como, uma gelatina, um poço, olhos em deterioração, mil formas além da memória e assim por diante.

A forma em que a descrição dessa criatura acontece é um aspecto muito importante para a forma de construção da narrativa, pois associar sentimentos tangíveis e muitas vezes opostos pode ajudar a concretizar de forma mais palpável um sentimento de estranheza e desconforto, fazendo com que memórias da obra se tornem mais vivas relacionando a momentos vividos na realidade.

Então já que um medo assim pode ser construído na literatura, qual seria o problema em passar isso para o cinema?

Nesse caso são duas plataformas distintas, as quais a interação do espectador e sua influência sobre a percepção da obra também vai ser completamente diferente, já que no livro a construção da criatura só vai surgir por meio da sugestão e da identificação do medo por aspectos reais relacionados aos sentidos, como cheiro, tato, visão e paladar. Conseguindo então levar a criatura das páginas dos livros para as memórias do leitor.

Então no cinema porque essa associação não funciona?

O cinema é uma mídia ilustrada a qual a associação da criatura deve ocorrer conforme a progressão da história apresentada, porém com os diversos estímulos visuais e sonoros acabamos deixando de lado as influências das memórias, pois o ritmo narrativo diferente do livro que vai descrever essas situações por meio de palavras fazendo com que você lembre das imagens, aqui nas telas de cinema vai ser simplificado a uma expressão visual.

Então agora que já sabemos um pouco melhor sobre como o terror se apresenta, vamos entender até onde pode se estender o terror filosófico.

Primeiro o que é o terror filosófico que falo? E um medo que existe em idéia, não em personificação o que seria o outro lado da moeda de vilões como Jason ou Freddy Krueger.

Obras como o terror cósmico ou das profundezas são bons exemplos de terror filosófico, pois o medo que leva a loucura ao ver nossa insignificância mostra o quão frágil é nossa própria existência perante a um perigo colossal que nos deixa incapacitados ao tentar agir contra.

Os limites disso vão desde grandiosas criaturas até às mais comum das crises existenciais, de porque fazer algo, se somos livres ou até mesmo o que fazer da nossa vida.

E um vídeo que recomendo e principalmente uma leitura boa sobre o assunto é
(https://www.youtube.com/watch?v=UNllADlGIe8 ) no caso do canal Real Dimensional Pictures, que lê muito bem o filme 1408, o qual explora de forma inventiva o horror existente na obra o inferno de dante.

O qual no filme aborda a busca do pai por um deus após perder a filha a progressão da dor e de perdê-la novamente quando passa pelas torturas do quarto, mostram o quanto o psicológico das histórias de terror também vão influenciar na construção de um trauma que talvez nunca deixe o personagem, pois assim como já disse no vídeo, podemos ter o pior dos tratamentos as dores do corpo passam, mas o terror psicológico vai se manter por diversas noites a fio sem uma solução que amenize as dores físicas.

E para esse terror psicológico recomendo o filme corra e o filme a beira da loucura ( o qual mostra como as crises existenciais são atordoantes e mostram a loucura do personagem buscando a projetar em cada um de nós espectadores).

Uma reflexão sobre gênero artístico no cinema:

Pra mim o terror é o gênero cinematográfico que foi mais reinvento em seus diferentes espectros e arquétipos do que compõem um filme de terror.

Pois como apresentei a construção do cinema como gênero, podemos ver a questão estrutural dos aspectos se desenvolvendo ao longo das eras do cinema.

O que é o terror?


Terror ou horror é um gênero literário, cinematográfico ou musical, que está sempre muito ligado à fantasia e à ficção especulativa, e é criado com intuito de causar medo, aterrorizar.
Ou seja o filme de terror só existe quando causa medo e nesse ponto a construção do medo acaba se desenvolvendo com a sociedade ao redor da obra e do contexto em que ela é publicada.


Mas porquê contexto?


O terror que as primeiras pessoas que tiveram ao assistir o primeiro filme em uma sala de cinema apresentado pelos irmãos Lumiére é certamente um sentimento que as obras agora nunca vão alcançar, pois a inovação e o sentimento do primeiro contato com esse produto de mídia acaba sendo algo indescritível e até mesmo de complexa interpretação da nossa época, sobre esse sentimento de estranheza.

Então esse filme era terror e agora é o que?

Eu veria como um filme documental, algo que acaba sendo de época pois as percepções de um gênero se desenvolveram tanto que ao olhar para uma obra assim o medo que constrói o terror acaba se perdendo.

E como isso pode nos mostrar uma evolução na indústria?
Podemos ver a progressão da indústria em como nós somos afetados por essas obras

Então vamos lá, primeiro para uma linha do tempo comparativa para termos um entendimento melhor do que está acontecendo com o gênero ao longo dos anos.

Arrivée d'un train: Publicado em 1895

Década de 20:


O Fantasma da Ópera (1925) “Terror”
Nosferatu, Eine Symphonie des Grauens (1922) “Terror”
Häxan (1922) “Horror”

Nesse primeiro período já podemos destacar alguns aspectos de interesse ao analisar essas obras.
No caso o destaque inicial e a distinção entre o Horror e o Terror, enquanto o fantasma da ópera e Nosferatu traziam a personificação de uma entidade monstruosa e ameaçadora, já o Häxan, traz em seus efeitos especiais uma nova ferramenta para a construção narrativa desse gênero, sendo também o ponta pé inicial para começarmos a personificar de forma mais concreta a mortalidade.

Década de 30:


Drácula (1931)

O Homem Invisível (1933)

O Médico e o Monstro (1931)

A Múmia (1932)

Aqui a personificação dos monstros e do sobrenatural se torna muito mais forte tanto que acaba influenciando completamente as produções dessa época, orientando narrativas em um mundo sobrenatural que começa a se construir no imaginário do público consumidor.

Década de 40:


O Médico e o Monstro (1941)

Dr. Cyclops (1940)

The Wolf Man (1941)


The Unseen (1945)

Nesse período o enredo se destaca por um foco científico para as narrativas, fazendo com que o medo que toma as telas seja de um tecnologia que se desenvolva e acabe virando uma arma contra a própria humanidade.

Mas para isso tomar um sentido melhor de como esse medo estava tão presente no subconsciente vamos olhar para o contexto social e histórico:

Nessa época tínhamos a segunda grande guerra e a ameaça nazista havia se espalhado pela europa, sendo assim o avanço tecnológico da guerra acaba sendo uma influência muito grande para um terror coletivo.

Pois como podemos lidar com tecnologias jamais vistas antes que agora se fazem presentes como avançados armamentos de guerra?

E na busca por um sentimento catártico em meio a toda essa tensão de guerra fica cada vez mais forte a ficção científica.

Década de 50:


The Abominable Snowman (1957)

The Beast with a Million Eyes (1955)

Beginning of the End (1957)

Curse of the Undead (1959)

The Fly (1958)

Invasion of the Body Snatchers (1956)

Plan 9 from Outer Space (1959)

Temos então o retorno de dos monstros e agora das resultantes das tecnologias que não temos controle, filmes como a mosca e o começo do fim mostram como criaturas criadas pelos erros grotescos da ciência e indo para o contexto histórico novamente podemos notar que era o início da guerra fria, onde agora conflitos como o muro de Berlim e disputas bélicas com o desenvolvimento tecnológico e armamentista sendo destacados pela busca da corrida espacial. 

Década de 60:

Com a Maldade na Alma (1964)

O Despertar da Besta (1969)

O Estranho Mundo de Zé do Caixão (1968)

Incubus (1965)

Os Pássaros (1963)

The Witches (1966)

Nessas obras vemos a abordagem da maldade inerente ao ser humano, um aspecto tão terrível do ser aproximando a crueldade humana do sobrenatural demoníaco como uma encarnação maléfica e agora presente nas pessoas. 

Nesse período histórico específico temos além da intensificação da guerra fria o início dos conflitos no vietnã, os quais eram seguidos pelo crescimento das lutas sociais como o feminismo, os movimentos negros raciais em busca de direitos, tanto que temos o surgimento do grupo dos pantera negras.

Mas o que eu quero dizer com tudo isso? Ainda temos conflitos raciais e sexistas pois a separação principalmente nos estados unidos do sul escravagista e do norte abolicionista havia sido muito recente e o cinema e as produções dessa época podem destacar ainda mais as tensões sociais e as relações.

Década de 70:


Alien, o Oitavo Passageiro (1979)

Carrie (1976)

O Exorcista (1973)

Halloween (1978)

Jaws 2 (1978)

The Texas Chain Saw Massacre (1974)

Nesse ponto o conflito e o confronto se tornam cada vez mais destacados, pois antes enquanto essas ameaças fugiam do nosso controle agora buscamos nos defender por maior que seja a ameaça a necessidade de uma defesa de revidar todo o perigo que sofremos e de lutar e ouvir cada vez mais o nosso instinto de vida que grita acelerado seguindo as batidas rítmicas de um coração que clama por viver mais um dia.

Década de 80:

Alligator (1980)
The Blob (1988)
Eles Vivem (1988)

The Evil Dead (1981)
Hellraiser (1987)
A Nightmare on Elm Street (1984)
Pet Sematary (1989)
Sexta-Feira 13 (1980)

Agora com os aspectos metalinguísticos mais desenvolvidos e fundamentados o gênero tem espaço para criar os slashers e assassinos frios que tornaram o gênero tão conhecido e as criaturas antes inimagináveis que vão aterrorizar as nossas noites mais escuras.

Como Murilo Klein Rocha apresenta em seu artigo sobre “A INVERSÃO DO ANTAGONISMO NOS FILMES DE HORROR: UMA ANÁLISE DOS SLASHER MOVIES SOB A ÓTICA DOS VILÕES JASON VOORHEES E FREDDY KRUEGER”.
Essa paixão por tais criaturas surge a partir da inversão do protagonismo antes onde era o bem vencendo o mal.

Pois o medo como um dos instintos primordiais, servem também para atrair mais a atenção para os perigos lá fora, já que produções e obras desse gênero se constitui na reprodução segura de uma situação de perigo.

Mas no contexto histórico o que isso nos mostra? Na década de 80 o mundo caminhava cada vez mais tenso em berlim o que ao fim dessa década resultou na queda do muro, porém também os estados unidos grande produtor de filmes vivia o período de tensão por uma ameaça silenciosa da URSS, sendo assim podemos olhar os monstros do gênero como uma resultante de um medo imparável o qual revidar é praticamente impossível, sendo um bom paralelo com as tensões bélicas que se intensificava cada vez mais. 

Década de 90:

Aracnofobia (1990)

The Blair Witch (1999)

Candyman (1992)

O Enigma do Horizonte (1997)

Halloween: The Curse of Michael Myers (1995)

I Know What You Did Last Summer (1997)

In the Mouth of Madness (1994)

Scream (1996)

Um tom de suspense e mistério começa a rodear essas obras do cinema, tanto que agora temos a continuação de grandes obras do gênero e outras que se inspiraram nas produções e nos slashers da década anterior e Candyman não foge disso.

Porém o suspense e até mesmo a estranheza dessas criaturas começam a fundamentar novas leituras para o mesmo estilo técnico de produção dessas narrativas.

*Nota do escritor: Sério vejam In the Mouth of Madness

Bom acho que já deu pra entender bem a onde meu argumento quer chegar, ao fim da década de 90 temos uma diferenciação gigantesca dos primeiros filmes de terror, por mais que tivéssemos retornado para as criaturas assustadoras e horrendas o motivo delas estarem ali e o medo que causam em nós são diferentes.

Então agora o medo antes existente em trens que podiam passar pelas telas ao nosso ver, começam a nos acompanhar nas noites escuras retornando a um sentido primordial do medo.

O terror e o gênero evolui e acompanha o desenvolvimento social, fazendo com que muitos filmes de terror antes que causavam medo, virem documentais, Horrores ou até mesmo só Filmes Tensos, por não alcançar mais esse medo que era captado pelas lentes de outra época, olhar para esses filmes são uma viagem no tempo por uma visão do que era assustador e agora podemos conhecer obras que influenciaram esse grande gênero e criaram releituras para subgêneros. 

O Terror é subjetivo mas isso não quer dizer que você não pode criar uma obra tão icônica quanto essas que vieram antes.

Materiais complementares:

Aqui fica minha recomendação de artistas e artigos para você que se interessou ler mais nas fontes que fui consultar:

Artigos e livros:

http://linguagem.unisul.br/paginas/ensino/pos/linguagem/eventos/sulletras/PDF/Daniel-de-Medeiros.pdf

https://www.academia.edu/4766426/3._livro_pedagogia_dos_monstros_-_os_prazeres_e_os_perigos_da_confus%C3%A3o_de_fronteiras

https://www.univates.br/bdu/bitstream/10737/1326/1/2016MurilloKleinRocha.pdf

Vídeos no youtube: 

1408: The Philosophical Depths That Horror Can Reach - https://www.youtube.com/watch?v=UNllADlGIe8

TERROR CÓSMICO: Por Que É Tão Difícil de Filmar? - https://youtu.be/d1kqFaJQ1zE

Candy man (entreplanos) - https://www.youtube.com/watch?v=mGCJdf2lv4o

Mid summer-https://www.youtube.com/watch?v=loOqTSdObWk

Why This Is Rembrandt's Masterpiece - https://www.youtube.com/watch?v=5E8f64yj1Jk
Outlast 2: Full Game Walkthrough (4K 60fps) - https://www.youtube.com/watch?v=pnvFiYTsaYk

107 Outlast 2 Facts YOU Should Know! | The Leaderboard - https://www.youtube.com/watch?v=KGpE-1eunAo
Stephen King, o Rei do Horror | Nerdologia
https://www.youtube.com/watch?v=wcemfugpIGc

Trabalhos no Art Station:

https://www.artstation.com/artwork/RYJdyW

https://www.artstation.com/artwork/1nNoNo

https://www.artstation.com/artwork/zrvGm

https://www.artstation.com/artwork/0X4zPV

https://www.artstation.com/artwork/wanKZ

https://www.artstation.com/artwork/LkNlP

https://www.artstation.com/artwork/0mPW5

https://www.artstation.com/artwork/g9aqK

Podcast da Revo sobre o assunto:

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Comment 1

Celina De Lorenzi

Muito bom! Achei muito interessante esta parte sobre como medo tem que ser verossímil. É o que o Even disse no topia sobre Beliveability

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