Todos nós adoramos ver uma obra de arte — seja uma música, um filme, um livro — e sentir que aquilo ali é a epítome da perfeição, que o autor definitivamente conquistou o potencial máximo da ideia e que somente outro deus das artes conseguiria reproduzir algo com uma precisão tão certeira. É como se aquilo representasse uma possibilidade única: de que nós, meros artistas, podemos atingir determinado nível de habilidade onde nossa obra jamais poderá ser repudiada, porque ela é perfeita. E todos vão gostar.
Mas como bom amigo, venho aqui para dar más notícias. Desde já, peço desculpas.
É tudo mentira.
Sabe, devem haver milhares de pessoas lá fora que olham para A Criação de Adão, de Michelangelo, e acham aquilo horroroso. A mesma coisa com os sonetos de William Shakespeare e com as sonatas de Beethoven; pessoas que realmente conhecem as técnicas necessárias para fazer obras como essas, e ainda assim, apontam erros, defeitos, dizem que não são perfeitas.
Mas não vamos nos apressar em culpar outras pessoas pelo excesso de perfeccionismo. Entender que os outros podem ou não gostar de uma determinada obra independentemente do quão bem feita ela seja é apenas um dos passos para assumir a própria responsabilidade — o perfeccionismo é pessoal, é seu. E não se preocupe, pois não quer dizer que precisa passar por isso sozinho.
E é por isso, Revolucho, que vamos lidar com esse problema de mãos dadas do começo ao fim. Que tal?
Spoilers dos tópicos pros impacientes:
1. Afinal, o que é ser um perfeccionista?
O perfeccionismo não é apenas um traço de personalidade onde você possui uma obsessão pela perfeição em si. Não é como se você se incomodasse com detalhes pequenos de desorganização, ou como se você tivesse essa compulsão para ter certeza de que fez as coisas do jeito certo; há outro nome para isso.
É simplesmente o hábito de projetar defeitos irreais no que foi criado e acreditar que esses defeitos podem ser consertados. E essa crença acaba fazendo com que você desenvolva outros hábitos e medos, como:
- A procrastinação, pois você acaba deixando os projetos para terminar quando você estiver pronto para fazer algo perfeito;
- A baixa autoestima, já que você sente que não ter um projeto perfeito é um defeito;
- O excesso de projetos incompletos, porque é muito fácil acabar acumulando ideias e mais ideias sem terminar qualquer uma;
- O constante criticismo extremo, considerando que sempre vai haver um problema no que foi feito e, sendo assim, é difícil de se perdoar toda vez que um erro é cometido.
Você já parou para pensar que tudo isso pode ser um reflexo da sua busca por perfeição? Então, se você se identificou com esses sintomas, você provavelmente é um perfeccionista.
2. Por que você é perfeccionista?
Há um milhão de fatores que podem influenciar você se tornar um perfeccionista ou não; desde a forma como você foi criado até uma forma de autopunição. No entanto, o principal responsável é o que chamamos de percepção.
Imagine o seguinte: você é um artista digital que quer fazer desenhos ao nível Studio Ghibli. Porém, você só desenha há dois meses; há muito trabalho a ser feito. E toda vez que você termina um desenho, você fica na expectativa de que ele seja compatível, em qualidade, com uma obra do Hayao Miyazaki. O que você acha que vai acontecer? Você vai, automaticamente, começar a se criticar e apontar todas as coisas que poderia ter feito de diferente. Mas que culpa você tem se você só desenha há dois meses?
Agora, se você fosse um artista profissional com anos e anos de prática e experiência, e tudo o que consumisse fossem desenhos de crianças do primário, você com certeza não se sentiria pressionado a fazer uma arte perfeita, porque a sua técnica estaria num nível muito acima da sua percepção. Consegue me entender?
O perfeccionismo é uma ideia fantasiosa que geralmente confundimos com uma possibilidade real. Todos nós como artistas criamos nossa própria visão do que é arte boa e arte bem feita. E nem sempre a nossa habilidade está no mesmo nível dessa percepção. Então às vezes o perfeccionismo não vai ser um problema com a sua habilidade, mas com os objetivos que você estabeleceu.
3. Vamos resolver essa bagaça
São tantas as formas de solucionar o perfeccionismo que seria necessário um manual para cada método. Mas acredite: o jeito mais eficaz é quando você aceita que perfeição não existe. É apenas um conceito que cada um interpreta de uma maneira diferente. Não é possível fazer algo que seja estabelecido como a definição de beleza absoluta; são ideias extremamente abstratas.
Felizmente, como aqui você não sai de mãos vazias, você pode se fazer algumas perguntas sempre que travar num projeto por conta do perfeccionismo — assim você vai saber como encarar a situação para resolvê-la.
- O que você definitivamente quer conquistar com esse projeto? Qual era seu objetivo inicial quando começou a desenvolvê-lo? Isso se perdeu ou se alterou ao longo do tempo?
- Você acha que possui as habilidades necessárias para aprimorar o projeto ou ainda precisa correr atrás das técnicas para atingir o potencial máximo?
- Se você deixar a ideia desenvolvida como está agora, o que te incomodaria nela? Você sabe dizer uma lista de ações reais e possíveis para conseguir consertar o que não está gostando?
Para acalorar seu coraçãozinho, tem um episódio do Auautoral que te ensina sobre como lidar com o perfeccionismo; assista ele aqui.