Neste texto, Michael Tucker analisa como Corra! usa e subverte as regras do terror a fim de trazer uma nova ótica para o gênero.
Na 90ª cerimônia do Oscar, em 2017, Jordan Peele ganhou a estatueta na categoria Melhor Roteiro Original por Corra!, seu filme de estréia como roteirista e diretor. O filme se tornou, em pouco mais de um ano, um clássico do gênero terror. Neste texto, Michael Tucker do canal Lessons from the Screenplay, analisa a estrutura do filme e explica como Jordan usa e subverte as convenções de narrativa de filmes de horror para criar sua história — e porque isso funciona tão bem. (Atenção: Este post tá cheio spoilers! Se você ainda não assistiu o filme, o que você anda fazendo ultimamente!?)
Uma fonte de tensão
O filme usa um “protagonista específico” em uma “situação universal” que é um afro-americano, jovem, cristão, visitando os sogros brancos durante o final de semana. Peele diz que ele tirou algumas inspirações de Adivinhe Quem Vem Para Jantar, um clássico de Sidney Poitier, mas a parte de “conhecer os sogros” é o tipo de sensação em que você se sente “um peixe-fora-d’agua”, algo que é familiar e crível para quase todo mundo que se viu nessa situação.
Contudo, o filme transforma o familiar em estranho ou, literalmente, “não-familiar”. Enquanto muitos filmes de terror retratam lugares suburbanos como lugares onde o horror acontece para os personagens, dificilmente retratam o subúrbio como a fonte do terror para um “estrangeiro”, como a gente vê no filme de Peele. Ainda, a forma como os pais da Rose são apenas “racialmente desajeitados” (nas palavras do diretor) ao invés de se mostrarem abertamente hostis ao protagonista, acaba pegando o espectador de surpresa.
“Uma vibe Keyser Söze”*
A grande surpresa de Corra! vem da personagem Rose, com quem simpatizamos desde o início. Ela dá suporte a Chris durante o início da visita, quando ele se sente desconfortável. Por algum tempo Rose é fundamental para a verossimilhança do filme, já que é ela que faz com que o namorado e o espectador tenham que ficar “adivinhando” o que vai acontecer. No começo, o diretor tinha planejado revelar a verdadeira identidade da Rose junto com o plot, mais cedo no filme, mas ele percebeu que “Se eu posso usar um pouco da vibe do Keyser Söze, por que não?” Aí o diretor decidiu fazer a revelação da Rose aparecer como um grande plot twist na história.
Postergando a revelação da personagem, o diretor sabia que poderia ter o máximo da surpresa do espectador, que provavelmente estaria pensando, “sem chance de alguém da Universal Studios permitir o único personagem branco e bom deste filme ser tão malvado — sem chance deles fazerem isso!” E daí, o que acontece? O espectador fica completamente desnorteado, exatamente como Jorgan Peele gostaria que ficasse.
Revendo o nosso desejo de que a ajuda chegue logo
Normalmente em filmes de terror, as autoridades estão nos últimos lugares em que o personagem pode correr para pedir ajuda. Mas neste caso, nós vimos como o policial se comporta com o Chris já no começo do filme. Quando as autoridades chegam no final do filme, é o pior momento possível, uma junção de momentos tensos para o espectador (mas também é um ótimo exemplo de como é possível posicionar o final da história já no começo da trama).
Isso também faz com que a revelação do personagem do Rod aconteça de forma muito mais catártica e faz com que seja fácil ver porque o diretor não colocou nenhum dos finais alternativos que ele tinha em mente.
Corra! é um clássico exemplo de filme que usa e subverte um gênero e uma das razões pelas quais ele foi bem sucedido em sua forma, foi como colocou um protagonista específico com sua história única em uma situação universal, fazendo o filme crível para vários tipos de espectadores. Ao fazer isto, o filme ganhou a confiança das pessoas, que estão dispostas a seguir adiante na jornada (nem tanto) familiar no final de semana. Se você conseguir fazer o mesmo com seus filmes, talvez você possa ter um roteiro muito bom, vai que você acaba ganhando um Oscar!
*Keyser Soze é um personagem do filme The Usual Suspects (1995). Ficou famoso e é referenciado por ser capaz de esconder suas intenções e até sua verdadeira personalidade com maestria.
Tradução: Victor Spadotto
Revisão: Gabriela Antonia Rosa
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