A modelagem tradicional, apesar do termo, não é uma forma de produção arcaica e inutilizável nesse grande momento que são as evoluções digitais. Muito pelo contrário. A modelagem em clay (um tipo de argila sintética), ainda possui muito espaço dentro da área de entretenimento e artes visuais.
Mas o que é essa tal modelagem tradicional?
Já ouviu aquela história que “a [animação] Noiva Cadáver foi toda feita de massinha”? Quando falamos de modelagem tradicional, é mais ou menos essa a ideia.
Em palavras simples, a modelagem tradicional é o processo de criação de uma representação física e em três dimensões (como o modelo de um personagem), produzida em materiais que permitem a sua própria adição ou retirada da escultura produzida, como por exemplo a massa biscuit, a cera e o clay (o material mais utilizado).
E voltando para a afirmação inicial, os personagens da animação “A noiva Cadáver” (dirigida por Tim Burton e Mike Johnson) foram desenvolvidos com esqueletos móveis, em aço/alumínio, e cobertos com uma mistura de espuma de látex e pele à base de silicone – que normalmente é utilizada para cobrir as maquetes (nome dado aos bonecos que pertencem à animação). Foi a partir dessa combinação que cada detalhe foi modelado.
Ou seja, a produção do stop-motion de fato envolveu massas de modelar mas afirmar que os personagens ou cenários são exclusivamente modelagem tradicional não é certo.
E ela tem alguma conexão com a modelagem 3D?
A resposta para esta pergunta é sim! Ambas as formas de criação têm a mesma finalidade: Desenvolver personagens, criaturas e cenários. O que muda é forma como essas peças serão construídas e finalizadas.
Enquanto a modelagem clássica, como já mencionado, acontece com o manuseio de clay e o uso de ferramentas como estecas e modeladores de borracha, a modelagem 3D (ou simplesmente, modelagem digital) é realizada através de computadores com programas especializados no desenvolvimento de esculturas, como o ZBrush e o Maya.
Além disso, peças modeladas tradicionalmente podem levar muito mais tempo para ficarem prontas pois em alguns casos é necessário tirar negativos/formas/moldes, preenchê-los com resina, gesso ou outro material específico para criar réplicas, esperar a réplica secar para que enfim a pintura, detalhes e retoques finais sejam feitos. Já no cenário digital, este problema não existe (independente de qual o programa escolhido para trabalhar) e a finalização da peça é muito mais dinâmica. O artista pode visualizar quais ideias vão ou não dar certo e alterá-las quantas vezes forem necessárias, antes de concluir a escultura.
O que é preciso dominar para entrar nessa área?
Um fato: Não é preciso nascer com super habilidades nas mãos para trabalhar como modelador. Mas, por ser uma área que pertence ao conjunto de artes visuais, existem certos conhecimentos que não podem ser deixados de lado, como alguns princípios básicos de desenho, por exemplo. Entenda.
- Técnicas como luz e sombra, fisionomia, anatomia e até mesmo perspectiva são muito importantes pois podem trabalham como base na hora da produção de uma escultura.
- Dominar conceitos de proporção é muito importante para garantir que cada parte da composição esteja em equilíbrio, em relação ao todo e aos seus similares. Pensando em uma escultura com a anatomia humana, ao mesmo tempo em que a cabeça deve ser maior do que as mãos, as mãos devem ter as mesmas proporções entre elas.
- O volume, assim como a proporção, é um dos princípios mais importantes, ainda mais por se tratar de uma representação em três dimensões. Ele é, justamente, o que vai trazer profundidade noções de espaço, ao trabalho
- Trabalhar com modelagem, independentemente de ser por meio digital ou em clay, torna-se muito mais fácil quando já existe um sketche (esboço) de como ela deve ficar. Trazendo o conceito para dentro da área, é comum que a pessoa responsável pela ilustração e a pessoa responsável pela modelagem da peça não sejam a mesma pessoa mas, isso não torna o contrário impossível. Saber colocar as ideias no papel é algo que o modelador deve conseguir fazer também.
Além disso, por mais que não faça parte da modelagem tradicional, ter o mínimo de entendimento sobre os softwares e programas existentes, tanto para uma modelagem do zero, quanto para a “digitalização” de uma escultura já pronta, tornam o profissional mais completo e preparado para a atuar na área.
Como está o mercado?
Não tem como dizer que o mercado de modelagens tradicionais têm crescido nos últimos anos pois não é verdade. O que tem acontecendo é um amadurecimento e consolidação em relação às áreas que podem ser atingidas com este modelo de criação.
Ao começar por produções autorais, como peças de fine art para exposições em galerias e museus, máscaras e até mesmo elementos para efeitos especiais. Sem mencionar a criação de estátuas de figuras de ação, criaturas como orcs, dioramas e peças de design.
E, é claro, para a área de entretenimento, ainda existe um amplo mercado onde o modelador poderá atuar exclusivamente com a modelagem tradicional relacionada à animação. Como é o caso da indústria de claymation (ou animação em clay), que consiste em produções stop-motion feitas através de personagens, elementos e cenários modelados em clay, e a área de produção de maquetes (que como já foi mencionado, são os personagens utilizados na animação) não só para stop-motions. Não é incomum que estúdios de animação queiram visualizar o personagem de maneira física, por exemplo.
Vale lembrar que, assim como a pintura digital não tornou a pintura em tela, com óleo ou aquarela, uma tarefa extinta, a modelagem digital não vai extinguir a forma clássica. Sem mencionar que o trabalho manual terá sempre o apelo artístico e o senso de unidade que apenas eles [trabalhos feitos a mão] podem proporcionar. Portanto ainda existe um amplo mercado e sempre haverá.
Algumas dicas:
- Para quem sente vontade de iniciar os estudos na área, é bom sempre ter em mente que vivemos em um momento onde, constantemente, somos surpreendidos por diferentes inovações tecnológicas. É importante ser aberto a mudanças e estar atento a elas.
- Independente da forma em que a escultura será produzida, tradicionalmente ou não, estudar anatomia, trabalhar o senso visual de estética e tentar capacitar-se em outras formas de arte como desenho ou fotografia, ajuda a desenvolver a técnica em modelagem.
- Busque diferentes referências visuais, alternando com artistas que pertencem ao mesmo mundo estilístico que o seu e artistas que fogem completamente de sua zona de conforto. É uma forma de aumentar o repertório.
- Não tenha medo de tentar trabalhar com modelos, materiais ou instrumentos novos.
- Mostre os seus trabalhos sempre que puder e entenda as críticas como uma forma de melhorar.
Se quiser se aprofundar na área de modelagem em clay, leia o livro “Beginner’s Guide to Sculpting Characters in Clay”.
E para saber mais sobre clays, assista ao #MimAjuda com o professor Claudio Silva.