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Como criar personagens marcantes?

Já tentou inventar um elenco de personagens e acabou com várias réplicas entediantes? Ou pior: você faz um personagem incrível para sua história, mas depois de um pouco de pesquisa, descobre que algum estúdio já criou algo parecido. Só que melhor.

Elijah Enes
Publicado em
01 de março de 2021

É difícil ser original no mundo atual; é muito provável que quase todas as ideias que você teve para uma história já tenham sido exploradas por alguém no universo do entretenimento. Seja sobre a aparência ou a personalidade, ou até mesmo a respeito do background. Então, qual é o sentido de criar personagens se todos já foram criados?

Você não vai ter ideias originais – ninguém vai

Desculpa pelas notícias ruins, só estou dizendo a verdade! Mas sabe de uma coisa? Você não é o único. Todo mundo – e eu quero dizer todo mundo mesmo – tem ideias a partir de outras ideias.

Sabe aquele filme, quadrinho, animação ou livro que você leu/assistiu e pensou: “Nossa, isso aqui é muito inovador”? Não importa se veio da cabeça do Stephen King, do Hayao Miyazaki ou do Walt Disney. Eles tinham visto a mesma coisa em algum outro lugar.

O que torna a ideia original é a forma como eles subvertem o óbvio. E com personagens a regra continua firme e forte.

Pois bem, não fique se martirizando na tentativa de criar um personagem que ninguém tenha escrito ou desenhado antes, porque há, sim, como usar o que já fizeram e ter um resultado maravilhoso no final. E eu vou te mostrar o que você pode fazer para conseguir essa proeza.

Spoilers dos tópicos pros impacientes:

  1. Obrigado, Jung: os benditos arquétipos
  2. Ninguém é santo
  3. Sai pra lá com essa tal de Mary Sue
  4. “Eu não sou como as outras garotas”
  5. Botando a mão na massa

1. Obrigado, Jung: os benditos arquétipos

E lá vamos nós de louvar os arquétipos.

Como foi dito, é impossível criar algo que já não tenha sido feito antes, e culpe o Carl Jung por apontar quais são os modelos de personagem que se repetem tanto ao longo das histórias. Quando o conceito foi elaborado, Jung estava tentando entender quais são as figuras que carregamos no nosso inconsciente coletivo desde criança, e como tudo o que é escrito ou desenhado sai da cabeça de alguém, acabamos por representar essas figuras na mídia também.

Os 12 Arquétipos Jungianos.

Toda a humanidade reconhece esses papéis. Os arquétipos são padrões, modelos, e dentro das histórias, personagens podem ser classificados dentro de um padrão ou outro. Eles são extremamente elementares dentro de suas próprias classificações: O Herói, O Mago, O Amante etc. Aposto que você se lembra de figuras específicas somente ao ler essas palavras.

Jung pontuou doze principais arquétipos, e se você não faz ideia do que fazer, eles são uma ótima saída. Pegue um elemento básico e comece a adorná-lo, manipulá-lo; veja como seu personagem se comporta em diferentes situações e interações.

Vale lembrar que, como Christopher Vogler disse em A Jornada do Escritor: Estrutura mítica para escritores, os arquétipos não são papéis imutáveis, e sim, funções. Então nada de prender o personagem numa caixinha permanente ao longo da história! Tente refletir algumas perguntas na hora de colocar sua criatura no papel:

  • Qual é o propósito do personagem na história?
  • Que resultados posso conseguir misturando diferentes arquétipos?
  • O que posso mudar para transformar esse clichê em algo original?

Depois disso, seu personagem vai estar praticamente contando a história dele por conta própria, e seu passo mais importante como criador já foi tomado: você só precisa começar de algum lugar, e começar por arquétipos é sempre uma boa jogada.

Obrigado, Jung.

2. Ninguém é santo

Eu entendo o impulso que você tem de fazer um personagem que todo mundo goste, ainda mais se ele for o protagonista da sua história, mas quer saber? O público pode gostar ainda mais dele se ele for muito, muito malvado (insira risada maligna aqui).

Não, não estou dizendo que você só deve escrever vilões – na verdade, você pode fazer isso também –, mas dar algumas características amargas para o seu personagem vai fazer com que o público se conecte com ele ainda mais.

Eu detesto novelas infantis por esse motivo. Os protagonistas são todos bonzinhos, então a trama toda é carregada pelos atos cruéis do antagonista, o que resulta num jogo inacabável de gato e rato: o herói está tendo um dia lindo, até o vilão jogar uma casca de banana no caminho dele. Uau, que sem graça.

Por que as pessoas gostam tanto dos vilões? Dos antagonistas? Ou até mesmo do personagem secundário não tão bonzinho; ele consegue chamar nossa atenção com muito mais facilidade, ainda que o protagonista ao lado dele seja literalmente a encarnação de tudo o que há de bom na vida.

A verdade é que ninguém é santo na vida real. Todos nós escondemos segredos. Todos nós fizemos coisas das quais não nos orgulhamos no passado. Todos nós temos desejos sombrios que jamais admitiremos para ninguém. Se você quer que alguém goste do seu personagem, você precisa criar um ponto de conexão entre a ficção e o público. Posso te dar um exemplo?

Loki, da Marvel, é o meu personagem favorito de todos os tempos, e isso continua sendo verdade há dez anos agora. No começo, nem eu entendia por que eu gostava tanto dele: ele é mimado, cresceu literalmente na realeza, e vive em um planeta totalmente diferente do meu. Como eu posso gostar tanto de alguém que não tem nada a ver comigo?

Ugh, todo mundo gosta desse ensebado.

Após muitas conversas com amigos e terapia, eu entendi que o que o deixava tão amigável não era o fato dele ser de Asgard ou um vilão (corrigindo: anti-herói, e não ouse discordar comigo), mas sim, sua dor escondida sob o sarcasmo, o medo de ser abandonado, a raiva por ter vivido uma mentira por tanto tempo. Aí, mesmo quando o personagem é literalmente um alienígena, ele consegue conquistar meu kokoro.

Essa é a língua universal da narrativa: empatia. E você só vai conquistar isso se o seu personagem for um reflexo frio da realidade, onde ninguém é perfeito.

3. Sai pra lá com essa tal de Mary Sue

Então uma pessoa chamada Paula Smith escreveu uma paródia de Star Trek em 1973 onde uma personagem chamada Mary Sue era boa em tudo. A mais nova, mais inteligente, mais habilidosa. As pessoas ainda fazem isso hoje em dia: a gente chama de self-insert fanfiction.

Escrever fanfic não é algo ruim, eu te apoio, na real: way to go! Nem se inserir num mundo ideal (alô, Aladdin) é ruim também, claro que não. Mas algo que encontrei pra caramba nas fanfics e até mesmo em obras originais são várias Mary Sues, personagens que sabem de tudo, fazem de tudo, conhecem de tudo, e sabe? Sai pra lá com essa tal de Mary Sue.

Essa dica é muito parecida com a anterior: por favor, não transforme seu personagem num santo eeee em uma enciclopédia humana. Se ele já é bom em tudo, por que está escrevendo uma história para ele? O que ele tem que aprender?

Então a menina viveu a vida inteira no deserto e sabe lutar como um Jedi, dirigir a Millenium Falcon eeee destruir o Palpatine depois de cinco minutos de treinamento? Ok.

Lembra do que eu disse sobre os arquétipos, que devem ser funções e não papéis? Pois é exatamente isso o que eu quero dizer: seu personagem nem sempre precisa de um arco, é claro, até porque algumas obras são simples estudos de personagem, mas nenhum personagem deve ser… perfeito.

Entendo que você quer mesmo que o seu personagem seja legal, quer que as pessoas gostem dele. Mas sei que não vai conseguir isso fazendo dele um sabichão. Permita que seu personagem não conheça tudo, assim como você não conhece. Pode ser que seja assim que a sua história se desenvolva, com ele buscando entender algo fora de sua realidade.

Tudo bem, pode escrever isso nas fanfics, pelo menos, mas não diga que eu não te avisei.

4. “Eu não sou como as outras garotas”

Você já deve ter visto aquele vídeo onde duas pessoas se esbarram e uma delas começa do nada a falar não quer ser uma formiga. Eu achava isso muito profundo. Quando tinha doze anos.

Não que eu queira ser uma formiga agora, mas o ser humano às vezes se esforça demais para ser original, o que resulta exatamente no mesmo problema inicial – pessoas sendo iguais umas às outras. E é aquele ditado. Se forçar mais, faz totô.

Você já assistiu Pulp Fiction? É um filme muito underground. É claro que você não conhece, você é um normie.

Amiguito, não faça seu personagem dizer “I’m not like other girls/guys/people” se ele só usa moletom o dia inteiro, se ele gosta de filmes dos anos 80, se ele bebe muito café; MUITA GENTE faz isso. Eu sei que você provavelmente está tentando fazer um personagem quirky que se destaca, mas na tentativa de fazer algo original, um clichê foi inventado.

"Compartilhado por você e outras 5.437 pessoas."

Não há problema algum se o seu personagem não tem características únicas. O importante é entender o que funciona para ele ou não. O que o torna real, simpático, ou não.

Claro que você pode tentar fazer com que ele tenha um hobby diferente, uma preferência por roupas diferentes, mas pense bem se isso vai beneficiar o seu personagem e não apenas prejudicá-lo.

Botando a mão na massa

Criar personagens é difícil, agoniante, excruciante: há dias em que você só vai querer dormir por várias horas e acordar com uma revelação divina. Às vezes acontece de você conseguir a resposta num sonho, mas inventar narrativas, assim como qualquer outra habilidade, é algo que precisa de prática.

Não tenha medo de explorar. Muitas ideias minhas nunca saíram para o papel porque eu ficava cobrando de mim mesmo que a história fosse completamente impecável na primeira tentativa, que o personagem fosse o melhor. E depois de um tempo, admiti a mim mesmo que teria que errar muito para começar a acertar.

O mais importante é realmente começar a tirar isso tudo da sua cabeça. Dar a descarga antes que a ideia comece a fermentar. E se você tiver algo feito, nem que seja um manuscrito péssimo e pouco polido, você já terá algo para consertar.

Quer algumas dicas de exercícios para praticar antes de começar a criar seus próprios personagens? Dá uma olhada aqui:

  • Pense em todos os personagens que você acha entediante. Faça uma lista e depois tente refletir sobre cada um deles: o que fez com que você não gostasse dele? É algo pessoal ou é algum problema de narrativa?
  • Pense agora em todos os que você gosta, e pratique a mesma reflexão, até você compreender quais são alguns dos segredos para fazer personagens marcantes.
  • Tente atribuir arquétipos a esses personagens e veja como as funções deles mudam ao longo da história.
  • Liste algumas pessoas da vida real. Pense nos arquétipos delas. Pense nos defeitos, nas coisas que elas não sabem, nas características que as deixam tão únicas. Como você pode atribuir isso a seus personagens fictícios?
  • Observe seus personagens originais, se você criou algum. Se estão parecidos demais uns com os outros, procure entender por que isso acontece. É o background? Quais são as qualidades? Os defeitos?
  • Imagine como a trama do seu filme/livro/quadrinho favorito se desenvolveria se os protagonistas tivessem apenas uma característica diferente da atual. Que atitudes eles tomariam e para qual fim isso levaria a história?

Agora, lembre que você não precisa se pressionar. Todo processo criativo é diferente e válido, e se isso funciona para você, pratique, pratique e pratique.

Afinal, não nascemos como Mary Sues. E ainda bem que não, né? Que coisa mais chata isso seria.

Há um episódio do Auautoral que fala exatamente sobre arquétipos, e você pode assistir ele clicando AQUI.

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