“Ninguém existe de propósito. Ninguém pertence a lugar nenhum. Todos irão morrer. Venha assistir TV” – Rick and Morty
Rick and Morty é uma das séries mais estranhas que saíram nos últimos tempos. A paródia sci-fi versão cartoon de “De volta para o Futuro” conquista o público com as aventuras de um cientista bêbado e maluco e de seu neto ansioso e, embora as jornadas desses personagens distorcidos de Doc Brown e Marty McFly possam ser absurdas em conteúdo, são o oposto em sua estrutura.
Neste vídeo, James Hayes, do FilmInTheMaking, mostra como os criadores de Rick e Morty, Dan Harmon e Justin Roiland, contam uma das histórias mais estranhas da TV usando um conceito de história simples chamado “círculo da história” inspirado no monomito de Joseph Campbell.
A aproximação de Harmon e Roiland ao storytelling se parece muito com o monomito de Campbell – e não só porque eles são representados em círculos. Os dois têm:
- Um personagem que começa na sua zona de conforto,
- Que é, então, chamado para ir em uma aventura,
- E deixa o seu mundo habitual para entrar em um lugar/situação nada familiar,
- Onde encontra novos amigos e opositores,
- Bem como a mesma “coisa importante” que estava procurando,
- Mas não consegue voltar pra casa,
- Até que ele faça uma mudança,
- Mas quando ele a faz,
- Ele consegue retornar, o que encerra a aventura.
Reconhecidamente, esse tipo de estrutura contém fórmulas e clichês, mas isso não é necessariamente uma coisa ruim. Roteiristas de primeira viagem ou aqueles que estão escrevendo um roteiro com conceitos muito complicados e vários temas, ser capaz de se ancorar numa estrutura narrativa estável, testada e aprovada, pode significar a diferença entre escrever algo legal ou jogar a história em uma lixeira pegando fogo.
Isso com certeza é o caso de Rick e Morty. Já que é uma série de animação com episódios de 30 minutos, você não tem muito pra desenvolver e brincar com um storytelling experimental. Além disso, o programa tem que equilibrar dois mundos opostos: o mundo no qual Rick e Morty pulam por meio do portal para recuperar super sementes de outra dimensão e o mundo em que os pais do Morty estão em casa brigando por torradas.
Em uma entrevista, Harmon conta ao site Uproxx:
“Nós podemos ter Rick e Morty indo nas aventuras juntos como avô e neto. E nós podemos intercalá-los com Charlie Kaufman e com discussões Woody-Allenianas que estão acontecendo. Essa é a fórmula do programa. Você será transportado entre o absurdo absoluto de Roald Dahl… a pais de 35 anos tendo discussões sobre as torradas na cozinha e quão desrespeitoso é colocar a caixa das torradas de volta no armário sabendo que só há apenas duas delas lá dentro… e ir e vir entre esses cenários, sem que eles entrem em conflito. É decidir (desse jeito estranho e lindo) que se um portal abre na sala e duas pessoas caem dele, a mãe vai ter a mesma reação que se Morty tivesse ficado fora de casa além do horário de ir pra cama”.
A estrutura de história de Rick e Morty não funciona só para os vários cenários presentes no programa, a vida doméstica previsível e os aventureiros trapaceiros, heróis muito improváveis, mas também funciona para o tipo de conteúdo que se constrói a partir de histórias econômicas e eficientes.
Como sempre dizemos em algum momento em artigos sobre a escrita de roteiros, não há maneira certa de se escrever um roteiro, nem regras ou uma estrutura única que vai funcionar para tudo. No final do dia, será que o “círculo de história” funciona para tudo e para todos? Não, nem um pouco, mas definitivamente é uma ferramenta que você deveria sempre considerar.